Gente e Histórias: Carmen Mayrink Veiga

A nova vida da socialite carioca

A frase não é nova, nem minha, mas é esplêndida para defini-la: ''Nunca houve uma mulher como Carmen''.  
Sinônimo de elegância, riqueza e poder desde os anos 50, ela é a maior de todas, a top das tops do que hoje se conhece como socialite. A vida de Carmen parecia um conto de fadas que se acompanhava com enorme interesse pelas revistas e colunas sociais - um bom casamento, marido bonitão e milionário, viagens pelo mundo, amigos do jet set internacional, dois filhos lindos e muito bem casados e cinco netos. Morou 23 anos na Europa, com base em Paris, onde o casal tinha apartamento próprio. 

No fim dos anos 80, a vida dela começou a mudar. Primeiro, contraiu uma doença que atacou seus pés e a levou a usar muletas e cadeira de rodas. Depois, veio a derrocada financeira do marido, o empresário Tony Mayrink Veiga, com uma dívida de milhões de dólares, o leilão de obras de arte do casal e a venda de imóveis. Para Tony, 78, o período representou um ''pequeno inferno'', mas, para Carmen, tudo parece ter se resumido à constatação de que ''a vida é um quadronegro que escrevemos todos os dias''.Carmen Mayrink Veiga não chora sobre leite derramado, síntese de seu pensamento sobre a vida hoje, livre de todos os supérfluos que a alimentaram por mais de 50 anos. ''Tínhamos oito carros na garagem. Hoje temos dois. O que mudou foi o corte das coisas não necessárias. O mundo mudou. Tudo hoje é ostentação. E eu saio de um dia para o outro. Não fico preocupada.'' 

Nenhum sinal de decadência em sua casa, decorada com peças raras 


Ainda mora no tradicional bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, no belíssimo apartamento da Avenida Rui Barbosa, com parte da vista para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar ofuscada pelo enorme biombo, que ela justifica: ''Tem tanta vista que resolvi deixar aí mesmo!'' É verdade, beleza natural é o que não falta nos quase mil metros quadrados em que vive depois que os dois apartamentos em prédios vizinhos foram unidos. Nenhum sinal de decadência em sua casa, decorada com peças raras e antigas, muita prataria. Está impecável. 

Seu quadro pintado por Portinari em 1959 continua lá, mas o Rolls-Royce 1951 com que chegou à igreja em seu casamento com Tony em junho de 1956, não. O carro pertenceu a Flor de Oro Trujillo, filha do ditador dominicano Rafael Trujillo, na época em que foi casada com o playboy do século 20, Porfírio Rubirosa. E foi parar nas mãos do ex-senador Gilberto Miranda. Com o modo educado de falar de sempre, Carmen confessa que saiu do episódio da derrocada financeira com apenas uma grande perda: ''O pior de tudo foi a saúde. Foi a única coisa que eu não gostaria de ter perdido.'' Primeiro foram as fortes dores nos pés, diagnosticadas inicialmente como esclerose múltipla por um médico de Boston, Estados Unidos. 

O fato é que Carmen nunca teve tal doença e, sim, uma paraplexia tropical, vírus que ataca tanto animais como seres humanos. ''Meu problema começou há 25 anos. Minha filha ia se casar em abril e, um mês antes, comecei a sentir tonturas, pensei que era labirintite. Eu morava em Paris e estava meio na ponte aérea. Aí resolveram me mandar para um neurologista tido como o melhor de todos, em Boston, e ele errou o diagnóstico, disse que eu tinha esclerose múltipla. E começou a me dar doses de elefante de cortisona. Não sei como o meu corpo conseguiu voltar. Eu andava bem, mas tinha muita dor nos pés, dos joelhos para baixo. Daí foi piorando e imagina-se que um vírus tropical, que ninguém sabe se é vírus ou se é bactéria, me atacou. Um vírus que só existia no Japão e migrou para a América Central e depois para a América do Sul. Quer dizer, nunca vão encontrar a cura, já que não se prolifera nem nos Estados Unidos nem na Europa.'' 

Há seis meses, a saúde de Carmen sofreu novo baque, quando ela fez uma cirurgia de coração para implantar um novo tipo de marca-passo. ''Fui a mais de 20 médicos, na Espanha, na Inglaterra, em Israel. Agora, graças a Deus, todos eles são honestos: a doença não tem cura! Há paliativo para a dor e tinha um remédio ótimo, mas nessa brincadeira é que tive um problema no coração e tive de parar com mil remédios porque afetavam o coração. Isso atrapalhou muito minha vida porque, entre outras coisas, tem um aparelho grande aqui no coração (lado esquerdo) e acabei perdendo um monte de roupas. É um marca-passo novo. Enquanto uma cirurgia de marca-passo leva meia hora, a minha levou quatro horas e meia. E me dei conta outro dia, porque coloquei um vestido e vi que ficava com defeito. Pensei: o que é isso? Dei uma remodelada nas minhas roupas, porque no aparelho não posso mexer.'' 

A conselho da filha, Antonia Frering, ela resolveu trabalhar 

Logo depois do baque financeiro, a conselho da filha, Antonia Frering, ela resolveu trabalhar. Ficou três anos no jornal O Dia, de seu amigo Ary Carvalho, em que assinava uma coluna aos domingos, duas vezes por mês. Depois, fez reportagens para uma revista. Agora não tem mais condições. A nova bandeira de Carmen Mayrink Veiga, de idade não revelada, é a causa dos cadeirantes no Rio de Janeiro. Seus problemas na cidade a despertaram para a falta de condições mínimas para quem precisa entrar em lugares públicos com uma cadeira de rodas. 

''É uma tragédia, mas não vou desistir de reclamar. No Copacabana Palace, eu não posso ir. Agora, eu quero saber é se o Municipal, com tudo o que se gastou na reforma, vai dar condições aos cadeirantes. Outro dia fui a um lançamento de livro em um shopping. Existe uma lei que dá preferência a pessoas incapacitadas em uma fila. E não é que o segurança queria que eu ficasse na fila? Eu sou uma pessoa de pavio curto. Disse a ele que lamentava um homem de sua posição não conhecer as leis. O problema é dos shoppings - em desrespeito ao cidadão que paga imposto. E por aí vai. A Hildegard Angel está me ajudando a divulgar a causa dos cadeirantes.'' 

A dona do apartamento da Rui Barbosa continua esbanjando charme e simpatia. Gosta de falar e vai mudando de assunto a cada minuto, mas sempre se entende aonde ela quer chegar. O impressionante é que mantém o peso de seus 13 anos: 58 quilos em 1,82 metro de altura. ''Para manter o peso, em primeiro lugar, deve-se fechar a boca. Quando tive meu primeiro filho engordei apenas 5 quilos. Aqui em casa só se come o que não engorda.'' Carmen Terezinha Solbiati foi ''descoberta'' aos 13 anos por um fotógrafo da revista O Cruzeiro, nas praias do Guarujá, litoral de São Paulo. 

Apareceu, de maiô, em uma página dupla, para desespero do pai, de toda a família e das professoras. Ela nasceu em uma chácara em Pirajuí, interior paulista, descendente de italianos. ''Meu pai, se não fosse de uma família em que ninguém fica doente, teria tido um enfarto. Todas as professoras, todos os amigos, queriam me matar. E eu me achando um deslumbramento! Porque na época só aparecia de maiô em revista as vedetes do Carlos Machado, cada menina mais bonita do que a outra. Eu conhecia algumas delas porque nós ficávamos hospedados em São Paulo, no Hotel Esplanada, toda vez que minha mãe inventava de reformar a casa.'' 

Em 1960 entrou para a lista das mais elegantes do mundo 


Aos 16, foi eleita a Glamour Girl do Harmonia, clube de endinheirados paulistanos, na revista SP Magazine, da quatrocentona Maria Amália Penteado de Camargo. Em 1960 entrou para a lista das mais elegantes do mundo, criada pela jornalista americana Eleonor Lambert. Depois de figurar entre as mais mais por três anos seguidos, entrou para o Hall of Fame. ''É uma coisa boa, uma futilidade que não faz mal a ninguém.'' 

Ao contrário de seus filhos, Carmen Mayrink Veiga nunca negou a ser fotografada e aparecer nas revistas e colunas sociais. Uma revista queria muito uma foto de toda a família, mas os filhos não querem que os netos de Carmen apareçam, de jeito algum. ''Antonia está casada há muito tempo e acho que para o resto da vida. O Antenor casou com uma moça muito boa, Paty Leal, eu a adoro, sou muito amiga dela até hoje, tem dois filhos maravilhosos, mas não deu certo. Ele não casou de novo, mas está noivo, de uma menina, filha do Antonio Gallotti. Mas eu sou o contrário deles. Com 13 anos, fiquei encantada de sair numa revista e, a partir daí, onde eu ia era fotografada. E não era como agora que tem fotógrafos em todo lugar. Hoje, eu chego aos lugares, os fotógrafos dizem: 'Carmen, tire a muleta!' Qualquer dia vou cair em cima deles.'' 

Carmen Mayrink Veiga acorda sempre à 1h da tarde. Adora ver novelas, mas só gravadas, porque quando ela implica com um núcleo qualquer, corre a fita. Não tem paciência. Nunca quis ser atriz, modelo. ''Eu quero fazer o que quero, na hora em que quero e do jeito que quero. E vivo aprendendo.'' Usa computador? ''Tá brincando, né? Jogo só paciência e gamão. Não tenho e-mail. Eu sou superneurótica assumida. Tenho um gênio bom, mas sou neurótica.'' Já não frequenta mais a hidroginástica, o único exercício que fez na vida - hoje vai religiosamente ao curso de locomoção motora.

Vaidosa, não recomenda o uso de vestidos curtos numa cadeira de rodas. É contra plásticas no rosto. Fez apenas uma, no pescoço, ''por uma questão de higiene''. Festas grandes, não frequenta mais. Prefere os almoços de mulheres. ''Adoro aquele bate-papo cri-cri. Tenho um grupo que se reúne quase toda semana. É tudo muito atualizado com livros, com peças de teatro, com tudo o que acontece dentro e fora do Brasil.'' 

Está casada com Tony Mayrink Veiga há 54 anos. Nunca se separaram. Tony hoje vive com sete stents coronários, depois de três ou quatro operações no coração. Para Carmen, fisicamente ele está ótimo. ''Um gato. Houve períodos difíceis, claro. Mas eu tenho uma prática: dou férias a meu marido. E ele vai. Certa vez estava péssimo e passou um mês em um apart-hotel. Quem mantém o casamento é a mulher. Somos uma dupla calma. Ele grita, briga, desbriga e eu continuo na minha. Briga só desgasta o casamento. Mulher bem-criada e bem-nascida não se mete com homem casado. O maior erro é ter filho logo em seguida do casamento, discordo da santa Igreja quanto ao aborto.'' 

Em seu ponto de vista, Carmen é uma mulher privilegiada. ''Tenho paz de espírito. Aceito a doença, tenho de aceitar, é como se tivesse acontecido um acidente. Dobrei meu número de amigos depois que fiquei doente.'' Quanto à idade, por que tanto mistério? ''Nunca tomei conhecimento de idade. Eu não falo a minha idade por um único motivo: com a vida que levei, não tive tempo de contar.'' Como disse, nunca houve uma mulher como Carmen.
FONTE:CONTIGO.COM.BR